Professores: sua formação/função

03 SETEMBRO 22

Em tempos de incoerências

Antes de entrar no assunto do dia (semana, mês ou ano) preciso dizer que uso com lema um velho e certeiro ditado: “um dia é do caçador, outro dia é da caça”. Partindo desta compreensão tenho que começar explicando alguns pormenores que podem escapar ao leitor menos acostumado com meus textos.

Hoje fui surpreendido com uma publicação que me permitirá retomar um velo cavalo de batalha junto do qual “apanhei bastante, para criar juízo”. Vou tentar sair desta minha necessidade de apresentar o sujeito do discurso e passar aos fatos. Mas isso não irá acontecer sem antes deixar claro que não estou metendo o bico em empada alheia, pois, enquanto educador e formador de educadores, o assunto a seguir é da minha alçada, sim. Aos menos habituados com o meu modo de raciocinar aviso que adoro o confronto de ideias ou, como costumo dizer, considero-me um provocador nato.

Um dos meus temas mais recorrentes é a Formação Docente, dentro da qual é possível encaixar toda uma série de problemas relacionados à Educação. A educação que eu defendo (você poderá aqui no modesto site encontrar textos abordando esse tema, mas desde já aponto para uma educação de melhor qualidade, a começar pela “qualidade” que ela apresenta hodiernamente.

Dentro dessa discussão abordei frequentemente, tanto aqui quanto no meu campo de trabalho/ação, o confronto entre quem é a favor e quem é contra a “homeschool” que eu prefiro traduzir imediatamente para Ensino Doméstico. O motivo desse debate está centrado, exatamente, na formação dos professores.

De acordo com Rubem Alves, o professor precisa deixar de ser um ensinante e passar a ser um provocador de espantos, curiosidades, vontades de aprender. É nesse sentido que comungo com José Pacheco na defesa de uma escolarização diferente da tradicionalista enraizada lá no século XIX. Uso com alguma frequência a seguinte expressão, para definir a nossa educação: “pretendemos atingir o futuro caminhando de costas voltadas para ele”. Mas voltemos ao nosso assunto principal.

Cada vez que defendi, argumentando, que deveria ser permitido o Ensino Domiciliar, fui contra argumentado com a defesa da necessidade do contato social, da interação entre as partes em presença, etc. etc. Conscientemente guardei minha viola e esperei o momento do novo sarau.

Pois bem, neste dia 3/9/22 eis que chega o convite a reacender o debate. Num artigo veiculado pelo jornal A Folha (SP) do dia 1/9/22 somos informados que uma “Campanha de Lula defende sistema nacional de EAD para formar professores”. Não se trata, aqui de uma atividade de fortalecimento e degradação da campanha do candidato e sim uma solicitação a que se reflita se é para fazer a diferença que se pense o todo e não apenas as partes. Se não há coerência na formação da criança através do ensino domiciliar, certamente não haverá coerência (pelos mesmos argumentos para não permitir a atividade) na formação docente pela EAD. Posso argumentar com a falta do contato diário para troca de experiências, a revisão comentada do produto do estudo, do ganho em desinibição para enfrentar a plateia e o ganho de saberes para poder argumentar em seu favor, ganhar conteúdos e aprender a construir seus próprios métodos de pesquisa e extração de informações nas mais diversas bases.

Enfim, gostaria de poder levar meu pensamento ao proponente da ideia para que ele entenda que do lado de cá do governo existem pensadores e que numa democracia que se pretende plena todos deverão ser escutados e considerados como interessados na melhoria da educação brasileira. No entanto, pelas propostas que começam a pipocar, em determinadas áreas, a mudança é a repetição da já feito, apenas com uma nova vestimenta chamada de Reforma (aquela que nada muda – o continuísmo fantasiado de avanço).

Lamento não ter um portal para receber respostas e pontos de vista contrários para que possamos debate-los, mas fica meu meio de contato (E-mail – profmanuelfernandes@gmail.com). Se desejarem apresentar vossos pontos de vista contrários ou a favor, tudo dentro da racionalidade e do respeito às divergências, terei o maior prazer em contribuir para o engrandecimento e crescimento da nossa educação.

Vamos debater?

 

 

2021 DEZEMBRO

 

Quando os meninos me pediam "papel macio pró cu e roupa boa prá gente"…

   Prefácio

No espaço temporal em que, noutros tempos "entravamos em férias", eu começo uma nova página no meu site que pretende trazer notícias sobre a educação e à qual dei o nome de Professores e sua formação/função. Até esta data (11/12/210)todo espaço era local onde cabia a discussão do tema educação. Dei uma arrumada e arranjei este cantinho específico para isso.

A vontade nasceu quando li o texto de uma professora que exerceu sua profissão quando eu já tinha cumprido o dever cívico/militar para com o meu país, o que significa, que o cenário descrito corresponde a algo que eu conheci muito bem. No entanto, e não é por falta de auto confiança, narrar a minha própria história pode levantar suspeitas. Assim, prefiro que meus amigo(as) leitores(as) julgem, após a leitura dos textos que lhes trago e vos apresentarei progressivamente.

Uma peque nota de advertência: o texto está escrito no português de Porugal, logo é possível que algumas palavras vos pareçam um tanto estranhas, mas breve descubrirão qual o seu significado.  

 

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Um dos textos que mais me custou a escrever e por isso tem mais lágrimas do que palavras.

Estávamos ainda no século XX, no longínquo ano de 1968, quando a vida me deu oportunidade de cumprir um dos meus sonhos: ser professora.

Dei comigo numa escola masculina, ali muito pertinho do rio Douro, na primeira freguesia de Penafiel, no lugar de Rio Mau. Era tão longe, da minha rua do Bonfim, não podia vir para casa no final do dia, não tinha a minha gente, e eu era uma menina da cidade com algum mimo, muitas rosas na alma, e tinha apenas 18 anos.

Nada me fazia pensar que tanta esperança e tanta alegria me trariam tanta vida e tantas lágrimas. Os meninos afinal eram homens com calos nas mãos, pés descalços e um pedaço de broa no bolso das calças remendadas.

As meninas eram mulheres de tranças feitas ao domingo de manhã antes da missa, de saias de cotim, braços cansados de dar colo aos irmãos mais novos, e de rodilha na cabeça para aguentar o peso dos alguidares de roupa para lavar no rio ou dos molhos de erva para alimentar o gado.

As mães eram mulheres sobretudo boas parideiras, gente que trabalhava de sol a sol e esperava a sorte de alguém levar uma das suas cachopas para a cidade, “servir” para casa de gente de posses.

Seria menos uma malga de caldo para encher e uns tostões que chegavam pelo correio, no final de cada mês.

Os homens eram mineiros no Pejão, traziam horas de sono por cumprir, serviam-se da mulher pela madrugada, mesmo que fosse no aido das vacas enquanto os filhos dormiam (quatro em cada enxerga), cultivavam as leiras que tinham ao redor da casa, ou perto do rio e nos dias de invernia, entre um jogo de sueca e duas malgas de vinho que na venda fiavam até receberem a féria, conseguiam dar ao seu dia mais que as 24 horas que realmente ele tinha. Filhos, eram coisas de mães e quando corriam pró torto era o cinto das calças do pai que “inducava” … e a mãe também “provava da isca” para não dizer amém com eles… E os filhos faziam-se gente.

E era uma festa quando começavam a ler as letras gordas dum velho pedaço de jornal pendurado no prego da cagadeira da casa… o menino já lia... ai que ele é tão fino… se deus quiser, vai ser um homem e ter uma profissão! Ai como a escola e a professora eram coisas tão importantes!

A escola que ia até aos mais remotos lugares, ao encontro das crianças que afinal até nem tinham nascido crianças… eram apenas mais braços para trabalhar, mais futuro para os pais em fim de vida, mais gente para desbravar os socalcos do Douro, mais vozes para cantar em tempo de colheitas.

E os meninos ensinaram-me a ser gente, a lutar por eles, a amanhar a lampreia, a grelhar o sável nas pedras do rio aquecidas pelas brasas, a rir de pequenas coisas, a sonhar com um país diferente, a saber que ler e escrever e pensar não é coisa para ricos, mas para todos, para todos.

E por lá vivi e cresci durante três anos e por lá fiz amigos e por lá semeei algumas flores que trazia na alma inquieta de jovem que julgava conseguir fazer um mundo menos desigual.

E foi o padre António Augusto Vasconcelos, de Rio Mau, Sebolido, Penafiel, que me foi casar ao mosteiro de Leça do Balio no ano de 1971 e aí me entregou um envelope com mil oitocentos e três escudos (o meu ordenado mensal) como prenda de casamento conseguida entre todos os meus alunos mais as colegas da escola mais as senhoras da Casa do Outeiro. E foi na igreja de Sebolido que batizou o meu filho, no dia 1 de janeiro de 1973.

E é deste povo que tenho saudades. O povo que lutou sem armas, que voou sem asas, que escreveu páginas de Portugal sem saber as letras do seu próprio nome.

Hoje, o povo navega na internet, sabe a marca e os preços dos carros topo de gama, sabe os nomes de quem nos saqueia a vida e suga o sangue, mas é neles que vai votando enquanto continua á espera de um milagre de Fátima, duns trocos que os velhos guardaram, do dia das eleições para ir passear e comer fora, de saber se o jogador de futebol se zangou com a gaja que tinha comprado com os seus milhões, e é claro de ver um filmezito escaldante para aquecer a sua relação que

estava há tempos no congelador.

As escolas fecharam-se, os professores foram quase todos trocados por gente que vende aulas aqui, ali e acolá, os papás são todos doutores da mula russa e sabem todas as técnicas de educação, mas deseducam os seus génios, os pequenos/grandes ditadores que até são seus filhinhos e o país tornou-se um fabuloso manicómio onde os finórios são felizes e os burros comem palha e esperam pelo dia do abate.

Sabem que mais?!

Ainda vejo as letras enormes escritas no quadro preto da escola masculina, ao final da tarde de sábado, por moços de doze e treze anos com estes dois pedidos que me faziam: “Professora vá devagar que a estrada é ruim, e não se esqueça de trazer na segunda-feira, papel macio pró cu e roupa boa dos seus sobrinhos prá gente”. Esta gente foi a gente com quem me fiz gente. Hoje, não há gente… é tudo transgénico.

O povo adormeceu à sombra do muro da eira que construiu, mas os senhores do mundo, estão acordadinhos e atentos, escarrapachados nos seus solários “badalhocamente” ricos e extraordinariamente felizes porque inventaram máquinas e reinventaram novos escravos.

Dizem que já estamos no século XXI...”

 

Profª. Lourdes dos Anjos