Um pouco de História

19 AGOSTO 2022

REESCREVER UM POUCO DA NOSSA HISTÓRIA

A História, felizmente ela continua a ser escrita, logo existe, continua seu reto destino registrando dentro da sua coerência todos os fatos que vão acontecendo a bordo deste planeta descontrolado que vaga a esmo pela infinitude do universo. Do destino dos ocupantes do planeta ela não pode ser responsabilizada e muito menos chamada a intervir de outro modo que não seja mostrando os caminhos já anteriormente trilhados e que deverão servir de exemplo para os sucedâneos. Há quem duvide que precisaremos, após balanços, trambolhões e reviravoltas, reescrever a História, depois de findos todos os movimentos que tendem a revelar o obscurantismo que persiste em sobressair nas disputas políticas que apontarão quem serão os futuros algozes que recorrerão à tirania sobre o povo ordeiro e trabalhador sobre o qual recairá, mais ainda, o ônus da sustentação do enriquecimento ilícito de uma minoria da população mundial.

A década de 20 do presente século tem-se mostrado pródiga em acontecimentos históricos que só algumas décadas mais tarde poderão ser totalmente analisadas, visto que sob o calor do acontecimento não há como manter uma imparcialidade analítica e muito menos ser fidedignos aos números alcançados. Hoje somos chamados a uma prática que precisamos efetuar, uma revisão crítica dos dados mostrados pelos livros de história que nos deixam perceber o quão são manipulados muitos dos fatos narrados. É por isso que dizemos que a história que aí temos é a história escrita pelos vencedores, jogando os perdedores ao limbo, àquilo a que chamam de lixo da história.

Uma primeira questão, a esse sujeito, teima em me perturbar: É mesmo necessário remexer nas velhas feridas a tal ponto de reabri-las? Argumentemos um pouco:

  • Não reviveremos os tempos já passados, por esse motivo alterar o passado não me parece algo realmente necessário;
  • Projetar para amanhã ou para o futuro (isto é, para já a seguir) ações com bases diferentes das que anteriormente foram estabelecidas para atingir uma certa ordem mundial, apenas trocando a ordem de quem está interessado na mudança, parece-me extremamente temerário, pois os “mandantes" de hoje são muito diferentes dos de ontem e tendem a ficar cada dia mais soberbos;
  • Muito se tem falado, mas pouco se tem dito sobre os objetivos sinceros de uma "nova ordem mundial" em construção. O que haverá a lucrar e quem serão os reais ganhadores?

O ser humano foi o único ser dotado de uma capacidade impar de refletir sobre os atos que pratica e sobre os resultados das ações que sobre ele recaem. Partindo deste pressuposto é possível afirmar que se há necessidade de mudanças, essas devem ser internas, logo, pessoais e de base crítica e não resultantes de lavagens cerebrais como se pratica nos dias atuais. Temos aí a realidade vivenciada que não consegue ser encarada com olhar crítico por uma porcentagem ainda elevada de animais cerebrinos/cerebrastênicos.

Intui-se, daí, que realizar mudanças estruturais no sistema político e de governança do país sem primeiro alterar o poder analítico do povo é a mesma coisa que submeter esse povo a uma ditadura diferente daquela que estamos habituados a perceber pelo mundo a fora: tem mais sofisticação, mais instrumentos de dominação e menos possibilidade de sofrer um revés. Nós, pessoas apenas um pouco mais intelectualizadas, temos uma obrigação para conosco mesmos: levar ao conhecimento o maior número de pessoas envolvidas pela cegueira (conforme Saramago, 1995) para trazê-las à luz desse conhecimento e nos ajudarem na construção de uma nova sociedade.

Faço minha parte e prego a prática como parte de uma solução possível para o impasse em que nos encontramos. Em outubro deste ano de 2022 temos a oportunidade de mostrar o nosso desejo maior para, finalmente podermos gritar bem alto: VIVA A LIBERDADE!

 

05 FEVEREIRO 2022

CHAMADA PARA ACOMPANHAMENTO - LEITURA

       (2)Prolegomenos  

A vida pode até ser um jardim, porém, nenhum jardim é eterno e até as flores mais raras envelhecem e acabam sucumbindo ao tempo, na minha vida eu tive o meu jardim, mas como todos os jardim, o meu também está sucumbindo.

Tinha premeditado que na velhice escreveria sobre esse jardim. As recordações estão ainda bastante vivas r ainda me permitiriam esperar um pouco mais para dar início ao relato das venturas e desventuras que as minhas peripécias me provocaram. A vida pacata e bastante ordeira que levei, malgrado momentos de verdadeiro pavor, foi se encarregando de me ensinar muito do que hoje sei. Não posso, contudo, deixar de refletir um pouco sobre a influência do momento histórico que vivenciei até agora, e tirar alguns aprendizados que a idade me vai mostrando, essencialmente do ponto de vista da formação moral e comportamental. Sou um bom, leal, responsável, exigente até para comigo mesmo, artista circense, daqueles que sabe esconder a lágrima fácil sob um forçado, porém, bonito sorriso.

Hoje, faltam exatos cinquenta dias para cumprir o período de setenta e três anos, resolvi dar-me como presente o relato dos meus segredos e, muito principalmente, a origem de um caráter bastante desconhecido por muita gente e que por esta altura começa a vir ao decima depois de ter permanecido submerso durante aproximadamente setenta anos. Essa história não poderei, assim o creio, contar de uma só vez, por isso proponho-me a escrever um pouco de cada vez, para não cansar os possíveis leitores nem a mim mesmo entre os possíveis “episódios” irei refletindo sobre a construção da minha personalidade e os sentimentos atuais.

A tarefa não é fácil, principalmente pela contradição que fui vivendo, no confronto entre o que penso e muitas vezes faço. Não vou dizer que vivo na mentira, mas não posso deixar de notar, eu mesmo sem precisar que alguém me exponha a face oculta por trás das máscaras que crio para enfrentar a adversidade da realidade.

Escrevi, anteriormente, que sou um excelente ator circense, mas até hoje ninguém conseguiu desmascarar-me. Sofrerei eu de um transtorno dissociativo de identidade? Esta pergunta eu me a coloquei ainda praticamente na infância, mas como na infância quase tudo é passageiro em trânsito para a idade adulta passei por isso com a maior facilidade e sem preocupações mais agudas.

A certa altura fui obrigado a tomar uma decisão: ser eu mesmo (arcando com a contabilidade final) ou continuar a ser um “pau mandado”. Escolha que me fez sai do meu “lugar de conforto” e encarar a vida de frente. Tomada a decisão, logo vocês saberão qual foi, percebi o quanto o mundo é cruel, duro para quem é mole. Endureci. Guardei meu coração em lugar que já esqueci e coloquei em seu lugar uma pedra que não fora, pelo menos, polida. Isso causou-me feridas internas que sangrarão até a minha última gota de sangue ou seja lá o que circula nas minhas veias.

O que eu vou abrir para vocês não será a pedra, tão pouco o coração perdido ainda bem moço, o que realmente abrirei será a minha hipotética alma de agnóstico. Não sei quem terá a coragem de, conhecendo-me um pouco, querer ler as loucuras e os bem fazeres de um tipo como eu.

Agora que estou terminando é que me recordo que ainda me falta escrever a Crônica Mensal... haja pontas de dedos para digitar tanta coisa, mas creio que vou deixar a CM para amanhã. Por hoje fica a sugestão para daqui a cinquenta dias.

A todos e a todas um feliz final de semana!

 

23 OUTUBRO 2021

A MELHOR IDADE (1)

(1) A sequência numérica dará unidade ao todo que será escrito em artigos de, no máximo, quatro folhas A4.

 

Então vamos apreciar a sentença que diz que a velhice é a “melhor idade”. Creio já ter me pronunciado a este respeito, mas nunca é demais lembrar saudades velhas.

 

Evidentemente que tudo o que aqui afirmar não passa de um ponto de vista que deve ser analisado por outros pontos de vista e/ou outras vistas de um certo ponto.

 

É verdade que quando jovem, a ansiedade de atingir a maior idade gerava uma angústia terrível. Não tive essa oportunidade, por mais estranho que pareça. Explico: aos 17 anos, diante de uma imposição que teria que cumprir, tempos mais tarde, fui voluntariamente para a guerra. Eu não passava, nessa altura, de um adolescente com a cabeça cheia de ideias. A realidade da guerra que enfrentei durante exatos 28 meses, fez desse adolescente imberbe, um homem maduro cheio de dúvidas para solucionar e pleno de esperança em dias melhores.

 

Pois é, mas quantos sonhos de juventude não se esfumam com a menor das brisas a soprar? Foi o meu caso, não tive nenhuma regalia por ter sido ex combatente, por ter colocado a minha vida a serviço daquela que se dizia ser a minha “Mãe Pátria” (que deveria honrar para todo sempre), mas a inversa não se registrou, transformando-se numa madrasta das mais cruéis. Fui admoestado, nos moldes “simpáticos” da PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado), montada no modelo SS Alemã – e tive meu primeiro problema grave a resolver: decidir o que fazer na vida. Esse sim, um verdadeiro problema. Pois a “vida” não será, jamais, outra coisa que aquilo que fizermos por ela.

 

Compete-nos lutar tenazmente para conseguirmos atingir alguns, não todos, dos nossos objetivos que, por vezes construímos ao passar do tempo e boa parte deles não conseguimos desenvolvê-los. Mas sempre tive a lucidez de pensar que não fui, nem continuo a ser, o único a passar por semelhantes problemas.

 

Portugal vivia naquela época - (início dos anos 70) quando abandonei a carreira militar, ao término do meu tempo de contribuição para uma guerra que não era minha e sabia que estava ali como bucha para canhão, enquanto os “os donos do poder enxiam os bolsos, as sacolas e as contas nos bancos de dinheiro que de forma alguma lhes pertencia” – uma crise terrível provocada por, entre outras coisas, “alimentar” três frentes de batalha que mobilizavam, ao mesmo tempo, cerca de 10 mil homens com armas, fardamento, nutrição, abrigo, munições e tudo o mais que uma guerra de guerrilha implica. Os deslocamentos eram constantes e sob encomenda dos mais variados “clientes”. Uma hora era o exército, outra vez os paraquedistas, outra vez os “comandos”, evacuações de feridos ou mortos no campo da batalha, para atender isso tudo a Aeronáutica estava sempre a postos para qualquer intervenção. Não vou detalhar aqui nenhuma ação dessas para não ocupar muito espaço, mas deixo o convite para que leiam o meu livro, editado já no ano passado (2020) e ainda não lançado oficialmente por causa dos aglomerados e a pandemia. Nele tem várias ações descritas em pormenor e traz cerca de 70 fotos que resolvi socializar com os leitores.

 

Percebi naquele momento, visto que não mais honesto que ninguém, mas sou tão honesto como o mais honesto dos seres, que precisava ganhar o pão da vida com os calos nas mãos e o suor do rosto.

 

Pois bem, a imigração era a porta mais próxima que se me abriu quando me coloquei diante do dilema que necessitava resolver. A França foi o país escolhido. Tinha estudado cinco anos de Francês e sabia pedir o que comer e beber, pelo menos, e entender qualquer ordem que me fosse dada. Consegui atingir meu objetivo e fiz pousada numa cidade que tem por nome PAU e é a capital administrativa do Departamento dos Pirenéus Atlânticos, no sudeste da França, fazendo fronteira com a Espanha.

 

Fui apresentado ao meu primeiro emprego que me daria direito a salário, dormida e se te tudo corresse bem, no final de um curto período de tempo o patrão me obteria a documentação para me legalizar no país, visto que tinha entrado clandestinamente. O trabalho era pesado e perigoso. A empresa recebia blocos enormes de mármore e/ou granito que nós, trabalhadores precisávamos cortar nas dimensões que o cliente pedisse e fazer-lhe o polimento. Todo esse trabalho era feito com água escorrendo com abundância, permanentemente. O local de trabalho era um velho casarão sob o qual, numa espécie de túnel, passa o rio que dava o nome à cidade em que passava logo após a nascente “Arudy”. Isto quer dizer que vivíamos nosso tempo de trabalho num ambiente extremamente húmido/molhado e no período do inverno as temperaturas eram sempre negativas e baixas.

 

O meu local de repouso era exatamente um cômodo que outrora servira de escritório, mas que fora abandonado devido inclusive às baixas temperaturas que se ali se registravam. Existia uma lareira feita de pedra, naquela peça única que eu ocupava e uma cama com colchão de palha. Ao deitar, no fim do dia, abastecia a lareira de bastante madeira, para não apagar durante a noite, e enrolava-me em varias mantas. Mas não havia fogo que aquecesse o ambiente e nem mantas para segurar o frio que entrava pelo assoalho e pelas janelas que mal fechavam e tinham um ou outro vidro quebrado. Foi um tempo de sofrimento, dois meses até descobrir o segredo que livraria da fúria do frio: consegui arrumar umas Caixas grandes de papelão, que coloquei entre o estrado da cama e o colchão. Eureka! Tinha descoberto algo que me serviu durante o tempo que ali vivi a me livrar do frio.

 

Saí dali para ir trabalhar na lavoura: 80 hectares de terra para semear de milho.  O patrão me chamou e disse: “Vês aquele bruto? Era um trator Mackromic 760 (creio não estar errado no número) cujas rodas traseiras eram mais altas que eu que na época media 1,65 metros. Respondi que sim e ele me devolveu: “É todo teu... É com ele que que vais trabalhar no meu campo. Vamos lá?” Enquanto ele foi comigo, no trator, ensinando-me os comandos, sua esposa nos segui no carro da família. Entendi a manobra: chegados ao campo seria deixado ao meu destino e ele voltaria para casa para tratar de outros assuntos e de um terreno ainda maior, no qual cultivava, entre outras coisa, fumo (a que vulgarmente chamamos de tabaco. Foi moleza! Com um bichão daqueles foi tarefa fácil, embora exigisse de mim cerca de 14 horas por dia de trabalho. No fim ganhei meu primeiro carro.

 

Acabado o período do milho começava o da batata inglesa. Um outro trator, com outras características e lá ia eu noite e dia a arrancar batas e a carregar caminhões com o resultado da colheita.

 

Em seguida viera as vindimas, época de colher as uvas que fazem o famoso “Bordeaux”. Ganhei dinheiro e fama de trabalhador, pois queriam que eu ficasse para o período de tratamento da terra e poda das videiras. Mas os meus sonhos... lembram dos meus sonhos? Voltei a Pau e matriculei-me num curso oferecido por uma instituição parecida com o Senai e fui fazer um curso de soldador, com a duração de oito meses. Aproveitei bem para aprender uma arte e o pagamento de um salário mínimo que nos era oferecido. Fiquei com o segundo lugar, na classificação da aprendizagem, só perdi para um espanhol “Ricco”, que depois nunca mais vi. Normalmente, ao terminar o curso éramos indicados para empresas que no colocavam no campo de trabalho. Recebi como endereço, a Elf Aquitaine, para trabalhar nos altos fornos onde era fundido o alumínio que depois era distribuído para as mais diversas indústrias.

 

Passei pelo porto de Marselha, onde aprendi a mergulhar e soldar sob água. Trabalho arriscado, super bem pago, e onde só trabalhava duas horas por dia. Com autorização do Ministério da Saúde era possível fazer quatro horas (duas ao amanhecer e duas ao entardecer. Nesse segundo caso, das quatro horas, o salário triplicava, mas o risco à saúde era imenso. Comprei a minha primeira BMW 2002TI.Isso eram os anos setenta. Dê um Google e procure imagens da “máquina”.

(Cont.)  

 

 

 

SAUDADES DA MINHA ALDEIA

Por: Paulo Costa

 

O texto não é meu, mas é a tradução mais fiel do meu pensar.

Chamem-me de saudosista, de antiquado, do que quiserem, mas eu só só queria essa bela liberdade!

 

Olá Cidade, como estás?

Daqui é a Aldeia. Escrevo-te com a corda na garganta, acredita.

Sempre que ligo a televisão, leio os jornais ou ouço a rádio, lembro-me de ti.

Ao longo das últimas décadas, roubaste-me as minhas crianças, sem qualquer piedade, iludindo os coitados dos pais com uma vida repleta de luxos e algo mais. Mentiste-lhes, enganaste-os, exploraste-os e roubaste-me o futuro.

Mas se esta minha carta te está a causar perplexidade, vamos a factos concretos:

Prometeste-lhes liberdade e não passas de uma tortuosa prisão. Coitadinhas das minhas crianças, que por aí saem dos pequenos apartamentos, descem à garagem, entram nas viaturas e são despejadas em escolas gigantescas, apinhadas de outros prisioneiros. Ao final do dia, o ritual repete-se em sentido inverso.

Aqui, calcorreavam pelas ruas, livres, até à escola, gritando aos passarinhos, uns com os outros, gritando à vida o valor da liberdade. Aqui o parque é a natureza que os rodeia. Aqui, o melhor ginásio é subir paredes, subir às árvores e descer terra abaixo em direção ao prado. Aqui, abraçam-se uns aos outros diariamente, sem medo de abraço algum. Aqui, a liberdade sente-se no respirar de cada inspiração e no bater do coração.

Prometeste-lhe educação mas os meus meninos, que me roubaste, crescem cheios de medos, fobias, atrofias e outras porcarias. Crescem calados sem dizer um simples "bom dia" a ninguém, seja na rua ou no elevador dos prédios onde moram. Crescem a desconfiar de toda a gente. Crescem a tentar chegar primeiro do que o desconhecido, a tentar roubar o lugar ao conhecido e a tentar serem mais espertos que a própria esperteza. No final, não respeitam nada nem ninguém, apesar de falarem com modos, sem sotaque, baixinho e com voz meiga.

Aqui, as minhas crianças crescem educadas pelo contexto, respeitando os mais velhos e estimando-se uns aos outros, cumprimentando quem passa, sempre, perguntando se está tudo ou se precisam de alguma coisa. Aqui o amor é puro, como a liberdade, as bases do humanismo que alimenta o crescimento sustentável. Aqui, não são precisos psicólogos ou psiquiatras para corrigir fobias, desvios ou comportamentos inadequados. Aqui, o silêncio é o melhor dos spas, o respeito o melhor dos professores, a realidade a melhor das motivações e as pessoas a maior das paixões.

Sabes todos aqueles "luxos" sonhados para as nossas crianças das grandes cidades: aqui são grátis e estão à distância de um simples querer.

Viver na aldeia não deveria ser considerado atraso de vida, deveria sim ser considerado uma portentosa oportunidade para viver em sustentabilidade social, económica e ambiental.

Todos falam do aquecimento global e do fim do mundo, mas o que é bom mesmo é continuar a apinhar milhões de pessoas em meia dúzia de quilómetros quadrados, e fazer de conta que está tudo bem.

Até posso estar errado, mas de uma coisa tenho a certeza: viver na aldeia será mil vezes mais saudável do que viver numa cidade com um, dois, três, cinco ou dez milhões de habitantes, por mais Ferraris, helicópteros ou naves espaciais que por ali abundem.

É tão bom viver em liberdade!

 

A IMPRENSA E O PODER

Vem de longe a disputa travada entre a imprensa escrita (jornais, revistas, tabloides etc.) e a classe proletária que pouco ou nada consegue ver das manobras daquela que podemos chamar de imprensa burguesa, por exemplo. Vale salientar que a briga se acirra com as críticas tecidas pelos intelectuais de esquerda que colocam sobre a mesa da disputa do jogo político, os viés que a imprensa toma, principalmente na tomada de posição sempre favorável aos partidos representativos do capitalismo.

Temos visto, a nível nacional, as artimanhas que tem sido tecidas, os confrontos mais ou menos extrapolantes que têm travado as TVs e o dito governo Bolsonaro. Chegam a ser afrontosos de parte e de outra. Podemos citar outro péssimo exemplo que mostra a tendência da imprensa antes, durante e depois dos pleitos eleitorais no nosso país: a revista Veja, considerada o lixo do lixo da imprensa. O mesmo caminho é seguido pelas demais, com o detalhe que umas se situam à esquerda e outras à direita de uma linha hipotética que divide as ações politiqueiras dos candidatos a cargos eletivos, com a agravante que, alguns deles são construídos por essa imprensa que não esconde os seus interesses em ter este ou aquele político para defender seus interesses, principalmente os financeiros.

Não é preciso ser muito inteligente para compreender que de há muito se vem praticando essa politicagem. Se levarmos para  campo da análise filosófica-sociológica percebemos de imediato que a postura dos primeiros questionadores da situação social dos trabalhadores – aqueles que, em última instância, são quem mais sofre – ressalta logo da anormalidade o pensamento crítico construtivo de Karl Marx que, em seus tempos de rapaz chegou a ser editor de um jornal, na França e depois na Inglaterra, assumindo abertamente uma posição política favorável aos trabalhadores e contrária aos ditames dos capitalistas em formação. Sabemos de seus revés – a maioria causada pela perseguição dos citados capitalistas – mas conhecemos outros marxistas que lhe seguiram os passos e estudaram profundamente a função da imprensa nos sistemas políticos, mundo afora. Um deles, talvez o mais conhecido e possivelmente o mais famoso foi Antonio Gramsci. O seu posicionamento em defesa de Marx e seus ideais, Gramsci acaba sendo preso quando ainda era bem novinho. Confesso que não tenho a certeza que seja dele a seguinte frase: “aprisionam um corpo, mas jamais aprisionaram as ideias” – há quem defenda, com alguma certeza, que quem disse algo nesse sentido foi Mahatma Gandhi. Quem quer que tenha sido, foi feliz no dizer e isso me ajuda a justificar o trabalho de Gramsci que, mesmo dentro da masmorra conseguiu escrever verdadeiras obras de arte que atrelavam a imprensa aos partidos políticos e que ia jogando para fora da prisão em forma de cartas para os familiares.

Sobre ele, Gramsci, também é possível afirmar que foi um ativista que funcionou por dentro da imprensa onde desempenhou alguns papéis importantes, fator que muito contribuiu para a consecução do seu pensar reflexivo sobre o papel da mesma no palco da política mundial.

Em uma de suas obras, referenciadas ao final deste texto, ele começa mostrando que o marxismo passa por momentos nem sempre felizes e efetivos. Nas suas palavras, já dentro da prisão, Gramsci vai afirmar que:

Também neste terreno, confirmou-se a ideia marxista de que o capitalismo cria forças que depois não consegue dominar. Os partidos democráticos serviam para indicar políticos competentes e fazê-los triunfar na competitividade política; hoje, os governantes são impostos pelos bancos, pelos grandes jornais, pelas associações industriais; os partidos se desagregaram numa multiplicidade de clientelas pessoais. (GRAMSCI, 2004a, p. 420).

No entanto, a visão política de Gramsci o leva mais além, o que nos permite dizer que o seu pensar daquele tempo está perfeitamente atualizado em face da realidade vivenciada: “é preciso fazer compreender, é preciso insistir para fazer compreender que o proletariado hoje não tem contra si apenas uma associação privada, mas todo o aparelho estatal, com sua polícia, seus tribunais, seus jornais que manipulam a opinião segundo o arbítrio do governo e dos capitalistas” (GRAMSCI, 2004b, p. 75).

Partindo da aceitação dessa premissa, os proletários leitores, precisam lembrar permanentemente que “o jornal burguês (qualquer que seja sua cor/) é um instrumento de luta movido por interesses que estão em contraste com os seus”. Devemos entender ainda que, segundo Gramsci, a imprensa manobra de tal forma a beneficiar o lado do qual se coloca, normalmente o do governo: “Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para subvencionar a obra de defesa exposta em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente ((GRAMSCI, 2005c). Não precisamos fazer grande esforço para compreender a ação dos maiores jornais, revistas e Tvs, para ficarmos por aqui, que são mantidas através do consumo dos proletariados.

O proletário não consegue refletir, por um instante que seja que as notícias veiculadas pelos jornais da burguesia – ou por ela mantidos para divulgarem seus interesses – e os ingredientes utilizados para elaborá-las são expostos com o objetivo de dirigir o seu pensamento e influir no seu comportamento visando determinar suas ações, principalmente a do voto. Mas o proletário “sabe” que aquele jornal é mais ou menos conservador, do mesmo jeito que outro se mostra verdadeiramente mais interesseiro, que um terceiro, quarto, quinto estão mais ligados a determinados grupos políticos que manifestam abertamente interesses diametralmente opostos aos dos proletariados” (GRAMSCI, 2005c).

Gramsci já reprovava e nós temos, hodiernamente que reprovar aquele trabalhador que lê mais ou menos regularmente esquecendo-se de que, todos os dias, as publicações veiculadas “apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de maneira a favorecer a classe burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária” (GRAMSCI, 2005c). Certamente que na atualidade temos aquilo a que convencionamos chamar de “imprensa livre”, mas atentar que ela é apenas livre de um setor político e amarrada a um outro setor, no caso oposto ao primeiro. Não consigo encontrar essa tal liberdade, malgrado, haja uma maior abertura para se falar de todos os setores, mas não podemos esquecer de olhar um pouco para trás e verificar que fica um rastro meio disfarçado de tendência a pender mais para um dos lados. O operário precisa ficar atento e fazer, por si mesmo uma avaliação da realidade que vivencia para poder agir em conformidade com o sem pensar. Nada o impede de pesquisar uma opinião na dita chamada imprensa livre, mas lembrar que a última opinião deverá ser a sua depois de todas as análises feitas. “É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente para a mão do ardina é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária” (ibid.).

Ao lermos os Cadernos do cárcere, verificamos que Gramsci qualifica a imprensa como “a parte mais dinâmica” de uma superestrutura ideológica, fixando-a como sendo “a organização material voltada para manter, defender e desenvolver a ‘frente’ teórica ou ideológica”, o que, no meu entender, representa um forte suporte ideológico ao bloco hegemônico que se vem perpetuando no poder (GRAMSCI, 2000a, p. 78).

Precisamos entender que os aparelhos privados defensores da hegemonia (organismos relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito, como a imprensa, os partidos, os sindicatos, os movimentos sociais, a escola e a Igreja), jornais e revistas tratam de “organizar e difundir determinados tipos de cultura”, (GRAMSCI, 2000, p. 32), articulados entre si de modo orgânico nos agrupamentos sociais mais ou menos homogêneos que eles mesmos vêm preparando ao longo do tempo com a metodologia que desenvolveram para tal.  

Para que possamos refletir um pouco melhor é preciso analisar a visão de Gramsci sobre a imprensa italiana das primeiras décadas do século XX. Ele equipara os jornais a partidos políticos, pois difundem concepções de vida e credenciam-se como órgãos de direção cultural, moral e política, sobrepondo-se, amiúde, a outros aparelhos privados de hegemonia, como os partidos legais e a entidades social e civilmente constituídas. Assumindo esse papel, interferem com as mais diversas ênfases específicas e interesses, na avaliação dos fatos e das circunstâncias ocorridos na vida pública.

Tomemos como exemplo, durante as duas últimas décadas, o “cataclismo” a que vimos assistindo e sofrendo na América Latina: vemos e sentimos campanhas opositoras seguidas de sistemáticas ações de desestabilização contra governos progressistas (na Venezuela com Hugo Chávez e Nicolás Maduro; na Argentina com Néstor e Cristina Kirchner; na Bolívia com Evo Morales; no Equador com Rafael Correa; Brasil com Lula e Dilma Rousseff; no Uruguai com José Mujica e Tabaré Vázquez; no México com Andrés Manuel López Obrador, entre outros), ações nas quais, de modos variados e muitas vezes sutis são propostas privatizações em massa e a instauração de governos liberais, Ultraliberais e de extrema direita. E a imprensa está aí para ajudar na implantação de qualquer sistema que atenda a sua ganância pelo dinheiro público, além da contribuição voluntária e inocente da classe proletária que consome esse lixo.

Gramsci, ao longo de seu discurso escrito na prisão, assinala ainda que, na Itália do início do século XX, cada jornal se identificava com uma carga de intenções e ambições bem definidas. Aqui, no Brasil não é diferente e aceito que não se deva estranhar que assim seja, considerando o complexo processo de propinas e apadrinhamentos que se desenvolvem em torno de candidato A ou candidato B, buscando-se um alinhamento com esta ou aquela tendência que se mostre mais propícia ás ambições de cada veículo de comunicação. Vale salientar que no submundo da política proliferam os grandes empresários que são, de forma dissimulada, quem financia a candidatura de pessoas que se mostrem menos escrupulosas para satisfazerem os fins do grande capital. O processo “montado” contra o Lula mostra bem e de forma explícita que o capital não mede os meios para atingir os fins. Vejamos apenas as ações em que estão envolvidas a JBS, a Odebrecht e tantas outras indústrias e/ou empresas privadas, das quais são símbolo cômico trágicos a Riachuelo e a Havan.

Analisemos, mesmo que superficialmente o papel da imprensa no Brasil nos últimos seis anos (para não nos alongarmos muito). Vala iniciar dizendo o poder comunicativo está nas mãos de apenas seis famílias que todo mundo conhece, mesmo à distância. A rede globo e todo sistema montado pelos Marinhos, incluindo aí os diversos meios escritos (jornais e revistas) mesmo sendo uma concessão estatal, dava-se ao luxo de criar factoides e divulgar fakenews apenas com o intuito de prejudicar um dos candidatos às eleições, não esquecendo que esse era o que tinha o percentual mais elevado de intenção de votos. Apenas com esse exemplo, transmitido e retransmitido à exaustão, fica mais que justificada e plenamente atendida a tese gramsciana que aponta para um enorme tendenciosismo da imprensa no setor político.

Não há neutralidade, imparcialidade e sequer independência nesses meios de comunicação como a maioria quer fazer crer ao mais inocente dos seres, pois que àqueles que têm om pouquinho de raciocínio critico não conseguem fazê-los acreditar em suas mentiras ardilosamente urdidas. Mas aí surge a pergunta: o que temos então, para oferecer ao povo, para que este se informe? Se colocarmos a seletividade de uns perto do sensacionalismo de outros é certo que se não “morrermos do mal, morremos da cura”. Restam poucas, raras exceções em que se pode confiar, desconfiando. A sociedade brasileira chegou a esse tão baixo nível que não há condições de confiar nem na camisa que se veste. É triste, porém real. Fica difícil de acreditar até naquilo que nossos próprios olhos veem. Virou cultura, há muito tempo, essa história do jeitinho brasileiro que hoje está sendo largamente criticado em todo mundo.

Nossos jornais e revistas pretendem assumir um papel muito, mas muito semelhante aos de um partido político, pelo menos agem como tal, como difusores de ideologias que atendem principalmente à minoria mais abastada que é, no frigir dos ovos, quem os sustenta. Para atingir seus fins exercem pressões descabidas sobre os concorrente ao cargo para o qual já “elegeram” seu favorito, independente de capacidade e lucidez para dirigir uma nação.

Em resposta às críticas severas de que estão tomam partido, as empresas jornalísticas argumentam que só se manifestam através dos editoriais – que nós sabemos que na maioria das vezes são a sínteses de princípios-guia. Podemos até aceitar essa resposta desde que reconheçam que deixam o trabalho sujo para os jornalistas, os colunistas, os freelances e quem mais queira falar a favor do propósito que seguem. Num linguajar mais popular poderemos afirmar que os grandes tiram o deles da reta, pois é muito mais simples despedir um funcionário que ver a sua empresa ir pela rua da amargura, lama abaixo. Mas muitos não conseguem, na sua maioria perseguem durante algum tempo a sua sustentação enlameada até que algum jato de água jogado por algum tão sujo quanto lhe dê uma oportunidade de ir voltando com alguma credibilidade. Não será jamais o mesmo veículo, mas servira para nos levar em alguma curta viagem.

Podemos concluir que, tanto na perspectiva gramsciana, quanto na análise pessoal que aqui deixo transparecer, a imprensa e o jornalismo, respeitadas as devidas dimensões, desempenham um papel-chave na truncada e acirrada batalha dos ideais pela hegemonia cultural e política. Desejo salientar que o nosso “caso” esta agravado com a união dos falsos crentes a essa imprensa a que ouso chamar de satânica pela união com os falsos profetas, dos quais, alguma parte é propriedade. Quero deixar uma última reflexão de Gramsci feita no L’Ordine Nuovo de 26 de abril de 1922, quando “salienta que a produção cultural e simbólica a serviço do grande capital se intensifica através da manipulação informativa”. Creio que impaciente e não se contendo com a situação que sabia existir fora dos muros da prisão, faz um disparo fulminante: “Os jornais do capitalismo fazem vibrar todas as cordas dos sentimentos pequeno-burgueses; e são estes jornais que asseguram à existência do capitalismo o consenso e a força física dos pequeno-burgueses e dos imbecis” (GRAMSCI, 2004b, p. 116-117).

Referências:

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Org. de Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999 (vol. 1), 2000a (vol. 2), 2002a (vol. 3), 2001 (vol. 4), 2002b (vol. 5) e 2002c (vol. 6).

______. Escritos políticos. Org. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004a (vol. 1: 1910-1920) e 2004b (vol. 2: 1921-1926).

______. “Os jornais e os operários”.Marxists Internet Archive, 2005c, disponível em:

https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1916/mes/jornais.htm ,acessado em 21/09/2020.

 

 

 

DO MAIS PROFUNDO DAS TREVAS

Muita gente se deixou pegar pela mão e ser conduzida ao curral onde já havia uma parcela de gado se expõe e luta por um acéfalo e um crente que sabe alguma coisa. Não acredita em mais nada que não seja poder e dinheiro.

A História tem nos mostrado e preserva para a eternidade qual tem sido o papel dos liberais fascistas e dos raros doentes mentais que por algum motivo têm assumido o comando de algumas nações.

A desconstrução do patrimônio do país não pode passar imponentemente diante dos olhos – hipnotizados – de quem tanta suou para construí-lo e ficar tudo bem como se nada acontecesse. E atenção que por patrimônio não podemos entender só edifícios que foram sendo tombados ou considerados de valor nacional. As nossas matas, seculares, os nossos metais sangrados das veias do nosso solo, as nossas águas ainda abundantes, mas que breve pode acabar diante da ganância humana, a nossa costa litorânea tão cobiçada por tanta gente, as nossas gentes com seus usos e costumes, os nossos indígenas que são capazes de sobreviverem por séculos sem a presença branca e que diante dela entraram e extinção. Não esqueçamos as indústrias transformadoras, químicas e extrativas assim como as mãos hábeis e exploradas de nossos trabalhadores de sol a sol. Tudo isso está sendo tirado de nossas mãos e passado para os bolsos dos ricos do mundo.

Não fosse suficiente tanta desgraça – que pode ser chamada de pós-faqueada – somos atingidos pelo trem da morte chamado covid 19 que por falta de um maquinista com um mínimo de conhecimento do funcionamento do sistema de frenagem de tal trem, dá de ombros (E daí?) e nós entre atônitos e alienados vemos o trem bater na boiada e dizemos, como humor alentejano – “e estamos a ter sorte porque o bicho veio de frente, pois se ele viesse de lado...!”. De uma forma ou de outra, a culpa é de quem pousou os trilhos sobre os quais esse trem vai seguindo tranquilamente em frente.

Junto com as mazelas dessa nova peste que se abateu sobre o mundo temos, no Brasil, pessoas que se dizem democratas, mas que permitem que até a forma mais simples de produzir sustento para o ser humano seja taxado, quando não destruído. A fome voltou com força, o financiamento da produção familiar sumiu. Faltam poucos dias para que tudo isso seja posto às claras, pois por enquanto ainda se consegue disfarçar a pobreza e a miséria com um benefício que não é suficiente para se manter uma vida minimamente digna.

Logo retornaremos aos assaltos a camiões, a supermercados, pequenos comércios e a criminalidade aumentará porque o povo passará fome. Voltarão os dias em que se comia calango assado, crianças morrerão de desnutrição. Arriscamos transformar-nos em um novo Biafra ou uma nova Somália, tudo vontade de meia dúzia de ratos ordinários e insensíveis que, usando as palavras de Dom Helder Câmara, “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista”.

Esses criminosos, de armas potentes nas patas para eliminarem as minorias, não têm um só neurônio que lhes mostre que se eliminarem as minorias, não terão quem faça as máquinas rodarem para produzirem o que eles mais almejam: o lucro. O triste é perceber que, infelizmente os pobres não tomaram conhecimento do desastre que foi, para eles pobres trabalhadores, a famosa queda da Bastilha. E “a História se repete seja como tragédia ou como farsa”, já nos diziam os famosos Marx e Hegel.

E nós temos aí a tragédia já anunciada e em pleno desenvolvimento e a farsa – que nem sequer é dissimulada – de usarem o nome de Deus para cometerem e acobertarem as maiores barbaridades seja a história ou, pior, contra as pessoas mesmo. Basta olhar para a cara de satisfação do mandatário da nação quando sabe que mais uma chacina foi cometida pelos homens de quem é o comandante supremo, contra os negros, os gays, as prostitutas e os pobres de um modo geral, em plena luz do dia e sem o menor dos motivos para tal.

Voltamos ao tempo aos tempos das trevas. Lembro do filme que tem vários nomes adotados (O Advogado; A era do porco; Entre a luz e as trevas) tal era a confusão que se fazia, no qual um crime de morte era passível de ser atribuído a um animal para livrar um dos filhos do Senhor Feudal.  A “famiglia” que hora se apossou do governo brasileiro repete o contexto. O cenário é apenas ligeiramente diferente.

Se quiser compreender o momento que vivemos no Brasil recomendo que vejam esse filme e lhe façam uma análise tentando contextualizar os dois momentos e as duas realidade.

Recomendo a maior cautela com o cavaleiro branco.

 

Os meus heróis não usavam chuteiras.

Pertenço a essa geração de portugueses que nasceu entre os1940 e 1950 e que teve que enfrentar a insensatez de uma guerra que não era nossa, que não provocamos e que muito desejávamos, mas outros interesses existiam por trás dessa cortina de ufanismo que nos incutiam na cabeça durante um precário treinamento.

Na maioria garotos, sim, rapazotes de 17 a 20 anos, sem a menor experiência do que fosse a África, suas gentes, aninais, usos e costumes, nos enviavam fosse de navio ou avião a caminho de três frentes de combate. Era uma luta desigual, a começar pelo conhecimento do terreno em precisávamos nos deslocar. Atravessar pântanos com a água a bater por cima do nariz, infestada de tudo que era bicho, do jacaré aos mosquitos que transmitiam o paludismo, mais conhecido entre nós como febre amarela, passando por cobras e outras “pestes”, ou, percorrer longas distâncias de estradas de terra batida, as velhas “picadas” como lhes chamávamos que escondiam o perigo das minas antipessoal ou anticarro talhadas entre mato altíssimo,  do qual quando menos esperávamos saiam meia dúzia de negros e nos atingiam com suas armas de fogo que, felizmente, para quem lá esteve na minha época eram poucas e mal manuseadas. Mas faziam estragos e muitos, cerca de dez mil companheiros por lá ficaram enterrados em terras de ninguém quando não havia condições mínimas de recolhimento dos corpos por avião ou helicóptero, sendo estes últimos nossos maiores aliados, pois pousava com certa facilidade em clareiras que muitas vezes, não todas, podiam ser abertas em meio à floresta.

Felizmente fiz parte de uma das forças armadas que se pode dizer privilegiada, considerando que não enfrentávamos o inimigo no chão, a menos quando nossas bases eram atacadas com morteiros e lançadores de foguetes. Eu fiz parte da Força Aérea, nosso dever era dar cobrimento às tropas de terra, levar-lhes do mantimento ao correio, socorrê-los nas horas perigosas em que alguns eram feridos ou mortos e tentar, na base da bomba e da metralhadoras dos aviões ir abrindo caminho através da selva para que as tropas de terra chegassem ao seu destino, ou cumprisse a sua missão.

Cada um precisava passar no mínimo, dois anos, no entanto, considerando que eram três frentes (Guiné Bissau, Angola e Moçambique) quantos meses alguns não passaram a mais dos dois anos naquelas terras africanas que, apesar de tudo deixaram saudades nos remanescentes. Pessoalmente passei mais de quatro meses após o acordado fim da missão. Para quem não sabe o que é ansiedade proponho que imagine que acabou de cumprir uma tarefa difícil e longe dos seus entes queridos, e veja o tempo quase parando para se passarem quatro meses e uns dias para ver a sua hora chegar de dizer adeus àquelas terras e gentes.

Perdi alguns amigos, muito mais em acidentes com aeronaves que em combate, já expliquei que não fazia parte das forças terrestres, mas não tiveram conta os corpos que passaram pela base em que prestava meu serviço. Quantas vezes víamos pedaços de tecido sendo carregados com certo carinho e respeito e não imaginávamos que ali dentro estava o que restava de um companheiro nosso, tal a potência da armadilha que o havia vitimado. Nesses momentos a raiva explodia, o sangue fervilhava e a vontade era de abater qualquer um que nos passasse pela frente. Mas era preciso manter a calma, sei que não é fácil você olhar para uma camisa toda ensanguentada e saber que ali estavam guardados os restos do companheiro com quem há poucos dias conversara, tomara uma cerveja ou jogara um carteado. O nosso psicológico/emocional muitas vezes não resistia com facilidade. Uma vez, a primeira é sempre mais dolorosa, duas, três, dez, vinte... vezes isso acontecia e você, por mais resistente que fosse sentia que a sua moral ia rasando o zero. Falo isto daqueles que tinham o dever de ir buscar mortos e feridos. Agora peço-lhes que imaginem como deveriam reagir aqueles que estavam lado a lado com falecido ou com o ferido.

O pensamento de que da próxima vez poderia ser ele a cair fazia com que o sistema de alguns não resistissem e tivessem que ser evacuados para serem tratados psiquiatricamente e ainda hoje (estamos em julho 2020), muito vivam em Portugal com sérios problemas mentais dando trabalho enorme aos familiares que muitas vezes são obrigados a se revezarem para cuidarem desses traumatizados de guerra. Quantos regressaram sem pernas, cortadas às vezes por rajadas de metralhadoras ou pela explosão de minas? Quantos voltaram sem um braço arrancado por um tiro certeiro do inimigo ou o rebentar de uma granada? Por mais que possa parecer estranho, quantos voltaram incapazes de se reproduzirem por terem sido atingidos nos órgãos reprodutores?

 

Muitos conseguiram superar todas as dificuldades que lhe surgiram pela frente e regressaram sãos e salvos à pátria que, na saída prometia o melhor tratamento aos regressados que aqueles que fugiram para não irem à guerra ou estavam incapacitados por algum motivo.  Mas essa pátria que prometia ser uma mãe transformou-se num piscar de olhos numa das piores madrastas. Hoje, recebi mais uma notícia de ex-companheiro que partiu para o fim da sua última missão. Das centenas de milhares, ver de mais de um milhão que tenham regressado sãos e salvos, vão restando menos a cada dia que passa. Eu sei que é normal, é a vida que passa com a idade, o tempo cumprido.

É triste ver uma geração gloriosa se aproximar do fim sem que tenha sido honrada com o mínimo apoio dos governos que se sucederam e puseram fim a uma guerra desnecessária a troco de muito, mas imaginem muito dinheiro, através da desfaçatez de uma “revolução” a que deram o nome de Revolução dos Cravos, na qual nem as rosas abriram suas pétalas ou um tiro sequer, um único tiro foi disparado lá nos idos 1974. Desse muito, mas muito dinheiro, os pobres dos soldados não sentiram nem o cheiro. Sequer tiveram seu nome honrado numa placa junto a qualquer monumento que lembre, amanhã, na História, que existiu essa geração de heróis que nunca chegou a calçar umas chuteiras.

Os meus heróis não usavam chuteiras

 

INICIANDO CAMPANHA PELA VENDA DO MEU LIVRO

 

Na primeira página deste site eu anuncio o surgimento do meu primeiro livro "solo". Este livro que estava previsto para ser lançado oficialmente no início do mês de abril, sofreu, como eu e tantos outros seres humanos, uma interrupção de trajetória por conta da quarentena, que já virou noventena e continua em "tena" sem se saber exatamente quando tudo isso vai passar.

Decidi hoje iniciar uma campanha para venda do livro, pois enquanto aguardava o fim das "tenas" já escrevi mais três livros . sendo um deles dedicado exclusivamente à Formação Docente e aos rumos da educação após as "tenas".

Este livro que agora lanço, uma autobiografia, começa com uma brevíssima introdução que vos trago agora.

 

"Narrar uma história de vida é sempre escolher retalhos que nem sempre são os mais adequados para completar a tessitura da manta que pretendemos trabalhar. São fragmentos que emergem das profundezas da memória e nós captamos, como quem captura fugitivos de um presídio.

 

Na medida em que vamos tecendo é preciso ir apertando nós, dando laçadas que garantem que o fio condutor escolhido não se quebre no meio do percurso; são nós e laços que muitas vezes fogem da realidade e penetram o campo da criação inventiva, pois nem tudo está gravado com a qualidade high tech que dispomos hoje com nossas máquinas e a disponibilidade de memórias artificiais.

 

Na narrativa que lhes apresento fui o mais fiel possível aos fatos acontecidos. Muita coisa, muitos retalhos ainda ficaram para trás, muita manta ainda pode ser tecida. No entanto, em certos pontos dessa narrativa, eu omito nomes, por exemplo, situações ou fatos mais íntimos que poderiam identificar pessoas que talvez não apreciassem o fato de ser identificadas. A omissão é, portanto, voluntária e não deve ser vista como uma falha do narrador, ou falta de fontes, que é um dos maiores problemas dos historiadores/narradores.

 

Não pretendo que este rascunho passe além disso. Esta manta servirá para me agasalhar enquanto crio coragem para escrever algo mais útil, por exemplo, à minha área de trabalho. Qualquer aspecto mais específico, será, para algumas pessoas, bem mais útil que esta generalidade de banalidades que não provam suficientemente a minha teoria sobre a necessidade de teorizar o feito, ao contrário de fazer o teorizado, pois a teorizar o feito você tem uma percepção do todo e não apenas da parte. Nesse momento, você usa a sua capacidade interpretativa para, se for necessário, transformar, desfazer, refazer o feito e com isso aprender. São ideias loucas de um pequeno pensador sobre as políticas e as práticas educacionais.

 

Gostaria que você, que vai ler este amontoado de loucuras, não adote a postura mais confortável do sofá. Mergulhe nos fatos, sinta-se fazendo parte deles (como se diz comumente, calce meus sapatos) e sinta como é importante saber, não avalie o trabalho apenas como uma historieta de um cara que não tinha outra coisa para fazer e resolveu rabiscar quatro ou cinco páginas para dizer que fez história. Nas páginas que você vai ler a seguir há sangue, suor e lágrimas. Não foi só prazer a sua escrita. Houve momentos de emoção, de raiva, de saudades, de tristeza e também de alegria. Senti novamente dores que passei há mais de meio século, isto significa que ainda há feridas que não estão totalmente cicatrizadas. Como diz um conterrâneo meu, bastante famoso – António Manuel Seixas Sampaio da Nóvoa, ou simplesmente António Nóvoa – vou me transformar num “garimpador de histórias”. A algumas delas só a morte dará fim. Tudo isso é vida, tudo isso é saber, tudo vira aprendizagem que nos ajuda a vingar na vida deixando no chão traçados os passos dados ao longo do caminhar".

 

A todos e a todas uma boa leitura

 

Crato, aos 15 de janeiro de 2019. (vale atentar para a data de entrega à editora e o tempo gato com o trabalho que foi realizado até à edição)

 

O autor   

 

 

UM CRAVO PARA VOCÊ

cravo 

O tema da minha crônica de hoje está diretamente ligada às histórias, do meu país e minha de forma quase indelével. Do meu país, pois foi num 25 de abril, mais precisamente de 1974, há exatos 45 anos que Portugal se livrava da ditadura Salazarista através da revolução que ficou conhecida como Revolução dos cravos.

Ao nascer desse dia, logo após as 00h00, ouviu-se na antiga e estadista Emissora Nacional a voz melódica de Zeca Afonso, fadista de Coimbra, entoando uma música que todo mundo sabia estava censurada: “Grândola Vila Morena”. Era, para os envolvidos, o sinal que a Emissora e o Quartel General do Exército haviam sido tomados de assalto pelos revolucionários capitães de abril.

O povo saiu às ruas e em agradecimento às forças armadas que assim colocavam fim a uma ditadura de 42 anos colocavam cravos – uma flor típica de Portugal - na ponta das armas dos soldados a quem abraçavam e festejavam. Terminava ali o massacre da juventude portuguesa, do qual também fui vítima, das idas a uma guerra que era nossa (da mocidade, nem dos velhos tampouco), mas dos políticos que visavam apenas o lucro que tiravam das ex-colônias ultramarinas como eram conhecidas a Guiné (Bissau), Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor.

A foto que ilustra esta crônica foi retirada da internet[1] e ela tem, na minha modesta análise um simbolismo todo especial: O Cravo: flor símbolo de Portugal. A mão do povo que trabalhava e lutava por um guerra inglória imerso nas trevas da ditadura; o vermelho pela chegada ao poder do socialismo que tem como símbolo uma mão fechada segurando uma rosa vermelha; resumindo, a tradução de um sonho acalentado por muitos durante quase meio século. Era muito forte esse simbolismo, nesse dia. Raros aqueles que não se emocionaram onde quer que estivessem, espalhados por esse mundo afora, ao saberem da boa nova. Um sonho se concretizava, mas como todo sonho, pode se ter um mau despertar. A cobiça que antes era de poucos, passou a ser de muitos que viram na revolta a oportunidade de abocanharem seu quinhão maior que o do seu vizinho.

Hoje, portanto 45 anos mais tardes restam dúvidas quanto aos fins de tal revolução muito ainda se diz, muito ainda se fala, quantos falam bem, mas quantos saudosistas das tetas da pátria mãe. Mas hoje, e daí as dúvidas, não são mais os mesmos, mas são outros os que se locupletam do ubre cheio que encontraram. Portugal não soube – também não tinha como saber, pois foram praticamente três gerações de analfabetismo funcional, de perseguição, prisão e morte de não se sabe de quantos lusitanos – aproveitar-se do momento de liberdade que alcançava e enveredaram por um caminho tortuoso que ora se inclinava ao socialismo, ora se endireitava um pouco e havia tentativas de retomadas do poder pela direita.

Os portugueses, ávidos de liberdade extrapolaram e passaram de um pulo só da liberdade à libertinagem; passaram a exigir de um poder em fase de instalação e regulação da situação o cumprimento de metas que os países já desenvolvidos tinham alguma dificuldade em cumprir. Recordo, por exemplo que, habituados a um salário de miséria, queriam, logo no dia 26 de abril que o governo garantisse um salário igual ao que era praticado em França. Ora, isso era impossível. Todos nós sabemos que quando entramos numa casa “nova”, ou diferente da habitual, o primeiro trabalho é fazer a devida arrumação para depois, então, começar a pensar no que fazer a seguir. Pois Portugal cometeu esse erro. Houve a abertura, mas ela foi realizada de tal forma que eu resolvi, para mim mesmo, dizer que não foi uma abertura e sim o escancarar de um cortiço de vespas.

Hoje, 45 anos mais tarde, os capitães já são generais de um exército sem guerra, que ajuda a comer uma parcela significativa do “bolo” que deveria ser dividido com os pobres. Houve retrocessos e embora o atual governo tenha começado como uma coalizão de esquerda – já desmantelada – para as eleições que se avizinham ao final deste ano, a direita já volta a ser uma enorme ameaça. Não quero fazer prognósticos, mas com esta onda de “endireitamento” até chegar à ultradireita que tem tomado conta de boa parte do mundo, não me admiraria nada que um nacionalismo exacerbado venha a tomar conta do velho e cansado de guerra “Jardim à beira mar plantado” – como era, outrora, conhecido Portugal.

Fica o registro da data histórica. Eu estava na França quando o evento aconteceu, pois fui obrigado a expatriar-me para conseguir ir arrumando uma vida que apenas começava após o fim de uma juventude passada em terras africanas, defendendo minha pele, porque o governo português assim nos obrigava. Ao final de nossa jornada não tivemos, até ao dia de hoje, 25/04/2019 o menor reconhecimento pelo nosso heroísmo. Sim, e não é falta de modéstia afirmar que todos nós fomos heróis e apenas lamentamos os milhares que por lá ficaram sepultados em terras desconhecidas, sem a luz de uma vela e uma oração de um familiar. Por isso, jamais e por mais que agora venham a reconhecer algo em nosso favor, direi obrigado Portugal!

Meu país é o mundo!

 

[1] Site: www.voaportugues.com

 


 

primeira abordagem na escola parceira

Janeiro 2018

SONHOS

Os sonham são para ser sonhados e, dentro das possibilidades concretizados. Eu também sou (isto quer dizer que já fui e continuo sendo!) um sonhador e como tal sei muito bem como qualquer um de nós que muitos desses sonhos que sonhamos acabam por esvair-se nos ares.

Sonhei um dia alto demais para a minha fraca estatura - por mais que eu seja amigo de uma "briga" e não "abra nem para o trem" quando entro numa, mas existem os momentos em que precisamos abandonar nossa postura guerreira, de valentão, e admitir o fracasso. Cabem, entretanto as justificativas.

A projeto que sonhei junto a uma escola pública do município em que resido, acabou sendo transformado numa dessas quimeras, não passou de um sonho, por mais que tentativas tenham sido desenvolvidas na busca da concretização. A ideia, em si, era boa e até chegou a dar alguns frutos, mas a maioria das flores murchou e não chegou a frutificar, face às muitas "pragas" que infestam o nosso mundo educacional e influenciaram na floração, na polinização e na frutificação, para manter a metáfora da mãe natureza. Os pouco frutos que conseguiram vingar tiveram vida curta em virtude do enfraquecimento da árvore mãe.

Em educação, lutar contra o "estabelecido" é tarefa para poucos e loucos. Por muito que estudemos e defendamos uma educação crítica, as nossas Instituições Superiores sabem muito bem impor seus desejos que não vão além da satisfação das vontades maiores do sistema produtivo. Impõem-nos objetivos e métodos, tudo engessado e disfarçado sob a capa de uma educação transformadora que será avaliada através de instrumentais criados por elas, à revelia das realidades diversas em que ela é aplicada. Lutar contra esse status quo é quase um suicídio. Mas assim mesmo ainda há que continue a sonhar... pode-se perder uma batalha, mas guerra, em definitivo, ainda não está perdida. Usando de mais uma metáfora adianto que "A duna nasce dum pequeno grão de areia"!

Os sonhos não podem morrer!

"Não te rendas, por favor, não cedas,

Ainda que o frio queime,

Ainda que o medo morda,

Ainda que o sol se esconda,

E o vento se cale,

Ainda existe fogo na tua alma.

Ainda existe vida nos teus sonhos.!

- Mario Benedetti

 

O INICIO DE TUDO

Pelo ato do nascimento e pela nossa condição humana somos todos aprendentes e ensinantes a uma só vez. Sou, portanto, um pouco disso tudo há bastante tempo. Ao longo desse tempo tive oportunidade de desenvolver ora uma, ora outra dessas faculdades pessoais. Sempre fui considerado um bom aprendente, mas não posso julgar-me enquanto ensinante.

Enquanto aprendente, logrei a licenciatura em Pedagogia por uma questão de vontade pessoal para desenvolver a compreensão do "sistema" educacional brasileiro. Não contente com o alcançado, meti velas no rumo de um Mestrado em Educação Brasileira logo após dois anos da graduação e de ter sido efetivado como professor da educação básica. Na UFC defendi minha Dissertação no ano de 2001. Na hora em que estava prestes a iniciar a defesa recebi a notícia da nomeação como professor efetivo na URCA. Era, de algum modo, a coroação do êxito obtido pelo esforço.

A compreensão que buscava e encontrei não se coadunava com as minhas expectativas. No campo da ensinagem dei início a uma "luta" em prol da transformação que imagino necessária para que se modifique a forma como se leva a educação escolar às nossas crianças. É essa educação escolar que venho questionando e rotulando como insuficiente e mal direcionada. Afinal, a nossa educação tem objetivos claros e definidos em benefício da sociedade capitalista, pregando o individualismo, a obediência cega e alienada aos detentores dos meios de produção. A essa educação falta muito - para não dizer tudo - de humanismo.

Querendo aumentar meu cabedal intelectual de modo a poder aprofundar minhas reflexões, que desde o começo da ensinagem vinha desenvolvendo, tendo por base as práticas e os pensares de José Pacheco e António Nóvoa fui realizar estudos de Doutorado em Educação na UFPB. Foi mais uma luta que, finalmente, teve seu desfecho: 2013 recebi o título de Doutor e com ele aumentam as possibilidades de fortalecimento da luta pela causa já anteriormente indicada.

Ainda como mestre criei um Núcleo de Pesquisa e Estudo dos Movimentos Sociais e Educação (NUPEMSE). Através dele fui desenvolvendo minhas pesquisas e aproveitei para desenvolver um trabalho que passarei a chamar de "Extensão Universitária", mesmo se a situação não está ainda oficializada junto a IES em que desenvolvo as atividades.

No âmbito desse Núcleo vai surgir um Grupo de Estudo (GE) que se dedicará, com exclusividade, ao aprofundamento da teoria e principalmente da prática educacional desenvolvida na Escola da Ponte (José Pacheco) e, concomitantemente, com a teorização da prática de formador de António Nóvoa da UNL.

Após um contato mais efetivo com o pensar desses dois educadores começamos a vislumbrar a possibilidade de praticarmos um ato educativo menos calcado na prática impositiva e descontextualizada da realidade dos aprendentes e de suas necessidade, como essa que é oferecida pelo atual sistema. Tivemos a oportunidade de contactar com uma escola que já dava sinais de prática educacional diferenciada (veja foto acima). Era o começo desejado para uma prática sonhada durante um período de tempo assaz longo. Tínhamos algumas dificuldades em virtude das resistências existentes por parte dos "acomodados", mas a nossa persistência tem demolido as maiores barreiras que surgem ao longo do caminhar. Nem tudo são flores. Muito há para ser feito. Estamos a postos para lhes contar essa trajetória. É o que pretendemos fazer nas próximas páginas.